A menina e a morte, de Michel Tournier

A professora interrompeu subitamente o que fazia, ao ouvir um risinho abafado no fundo da classe.

- O que está acontecendo?

Uma menina disse com rosto vermelho e risonho:

- É a Melanie, professora. Ela está comendo um limão.

Toda a turma riu. A professora foi até a última fileira. Melanie levantou o rosto inocente, de finura e palidez acentuadas pela massa pesada de seus cabelos negros. Ela segurava um limão cuidadosamente descascado, a casca descendo em serpentina sobre a carteira. A professora parou perplexa.

Esta Melanie Blanchard não parava de surpreendê-la, desde o início das aulas. Dócil, inteligente, estudiosa, era impossível não considerá-la e tratá-la como uma das melhores alunas da turma. Mas no entanto ela chamava a atenção - sem provocar é verdade e com uma espontaneidade desconcertante - por suas invenções estranhas e comportamentos bizarros. Por exemplo em história, ela manifestava uma curiosidade apaixonada, quase mórbida, por todos os personagens célebres condenados à morte e suplícios. Ela recitava com olhar de vivacidade inquietante todos os detalhes dos últimos minutos de Joana D’Arc, Gilles de Rais, Maria Stuart, Ravaillac, Carlos I, Damiens, sem omitir a precisão de seus tormentos, os mais atrozes que fossem.

Seria simplesmente a fascinação, comum nas crianças, pelo horror, agravada de um certo sadismo? Outros momentos mostravam que se tratava, no caso de Melanie, de algo mais complexo, mais profundo. Na primeira semana de aula, ela se distinguiu pela surpreendente redação que entregou à professora. Tradicionalmente esta havia pedido às crianças que contassem um dia de suas férias. E se a história de Melanie começava de maneira bastante banal contanto a preparação para um piquenique no campo, ela de repente mudava com a morte subida da avó que obrigou a família a renunciar à visita campestre. Depois retomava, mas de modo negativo, irreal, e Melanie descrevia de modo imperturbável e numa espécie de visão alucinatória as etapas do passeio que não tinha sido feito, o canto dos pássaros que ninguém escutou, a arrumação do almoço sob uma árvore que não foi feita, os incidentes engraçados de um súbito retorno por causa de uma tempestade, que não teriam como acontecer, já que ninguém partiu. E ela concluía:

A família ficando tristemente reunida em torno da cama onde jazia o corpo da avó, ninguém correu dando risada pra se abrigar no celeiro, não nos encolhemos para espiar pela única pequena janela do lugar, e não acendamos uma fogueira para secar nossas roupas ensopadas que por isso não ficaram fumegando em frente à chaminé como o pelo de um cavalo suado. A avó partiu sozinha, deixando todo mundo em casa.
(Início do conto “La jeune fille e la mort”, em tradução improvisada)

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